MC na imprensa

Ao longo destes 45 anos de vida intensa do MC, toda a imprensa portuguesa foi divulgando muitas das nossas actividades. Porque seria impossível incluir neste “HISTORIAL” as centenas e centenas de recortes de notícias que integram o nosso acervo, escolhemos, a título simbólico, os textos abaixo, da autoria dos conceituados jornalistas do Porto Valdemar Cruz (Expresso) e Manuel Vitorino (Jornal de Notícias).

As Canções do Mundo

Lançada em 1969, a “MC” simbolizava a atitude de uma geração empenhada em divulgar a música com palavras carregadas de sentido.

A revista “Mundo da Canção” está de volta. Para já apenas com um número comemorativo onde se reúne uma antologia das entrevistas publicadas ao longo de quinze anos, mas começa a ser equacionada a possibilidade de dar um novo fôlego a uma publicação que, num tempo em que a regra era a exaltação do nacional-cançonetismo, ousou fazer passar pelas suas páginas as canções e as palavras dos cantores, portugueses ou estrangeiros, considerados malditos pelo poder instituído. Por isso acabou apreendida pela PIDE. O primeiro número da “MC”, com o padre Fanhais na capa, surgiu em Dezembro de 1969 e antecipava já o interesse pelas músicas do mundo antes da “world music” se transformar numa moda. Em editorial afirmava-se o propósito de divulgar “uma nova música portuguesa simples, mas com poesia de conteúdo dirigida a todas as pessoas, para cantar o que se passa na vida, a realidade do quotidiano”. O que ali se pretendia era fomentar um movimento de renovação e abertura a novas propostas estéticas musicais. Esse programa acabaria por ter tradução prática no intenso labor de divulgação desempenhado ao longo das últimas décadas por Avelino Tavares, principal mentor da revista e responsável pelos primeiros grandes concertos realizados no Porto, ou, só como exemplo, por aquela que é já uma das marcas culturais da cidade: o Festival Intercéltico. Foi graças à organização criada à volta da estrutura chamada “Mundo da Canção” que se tornou possível a presença em Portugal de “cantautores” cujas rotas estavam sistematicamente afastadas do nosso país.

De início muito empenhada na divulgação das letras das canções, a “MC” tem uma abertura emblemática, com o poema “Pedro Pedreiro”. Sem dispensar episódicas passagens pelas canções de Elvis Presley ou Salvatore Adamo, dá um dos seus primeiros destaques a José Afonso, com a reprodução das letras de “Natal dos Simples” e “Canção de Embalar”. Avelino Tavares recorda aqueles tempos para dizer que o lançamento da “MC” correspondia a um sonho que alimentara desde muito novo, facilitado naquelas circunstâncias por ter à sua disposição uma gráfica. “Como vi que não tinha de andar a pagar facturas, senti que estavam reunidas as condições para publicar uma revista como a que sempre imaginara”.

O objectivo primeiro de Avelino era “divulgar a música portuguesa, muito afectada pela existência da PIDE/DGS e da censura”. Pensou num título suficientemente inócuo para não permitir segundas leituras e, como estava no Porto, não achou necessário, ao longo de meses e meses, cumprir uma das obrigatoriedades da época. Ou seja, até ao número 34, nunca a “MC” foi enviada à censura para receber o carimbo que lhe autorizaria a circulação. Tavares confiava na impossibilidade da PIDE controlar tudo e na certeza de que sempre teria capacidade de convencer os censores “de que aquilo era uma coisa popular, sem pretensões nenhumas”.

A consulta dos números antigos do “MC” permite algumas conclusões interessantes, como a curiosa percepção de que poderiam ser dados destaques a Adriano Correia de Oliveira, Luís Cília, Joan Baez, Paco Ibañez, Georges Moustaki, José Mário Branco, Manuel Freire ou Juan Manuel Serrat, mas também aos inofensivos, do ponto de vista da intervenção política ou social, Moody Blues, Jethro Tull, Bee Gees, Beatles ou Diana Ross. A revista apostava nessa sábia combinação para conseguir concretizar o seu objectivo principal de se assumir como a principal montra das outras músicas, portuguesas e do mundo.

Os responsáveis pela censura perceberam a habilidade e actuaram. No número 34, de Março de 1973, o destaque de capa ia par cinco discos acabados de sair: Margem de Certa Maneira, de José Mário Branco, Eu Vou Ser como a Toupeira, de José Afonso, Fala do Homem Nascido, de José Niza e António Gedeão, Palvras Ditas, de Mário Viegas e Até o Pescoço, de José Jorge Letria. Quando já estava tudo impresso e pronto a ser distribuído, Avelino Tavares recebe um telefonema a partir dos escritórios da Tipografia Aliança a dizerem-lhe “que estavam lá uns senhores da PIDE por causa da revista”. Comandava a brigada o inspector Rosa Casaco, que se fazia acompanhar de um auto para apreender toda a edição. Naquela altura a “MC” tirava entre 20 e 30 mil exemplares. Muitos milhares foram levados para a sede da PIDE/DGS no Porto, mas muitos outros acabaram por ser salvos por Avelino Tavares. “Enquanto eles carregavam para a carrinha eu aproveitava todos os momentos de distracção para atirar montes de revistas para a secção de papel velho”. Depois do 25 de Abril, o número apreendido chegou finalmente à rua. Não só através dos exemplares salvos por Tavares, mas também porque o MFA encontrou as sobras da apreensão feita por Rosa Casaco não utilizadas na queima de documentos da polícia política.

Manuel Freire recorda hoje a “MC” como uma das mais importantes iniciativas destinadas à divulgação dos chamados “baladeiros”. Sublinha, de resto, a circunstância de a revista, “não por acaso, ter nascido em Dezembro de 1969”, um mês depois de ter aparecido o programa televisivo “Zip-Zip”, “que aproveitou alguma da pouca abertura do regime para divulgar” os cantores de intervenção. José Mário Branco, então exilado em Paris, teve sempre ecos remotos do impacto da “MC”, mas reconhece “o fantástico trabalho de divulgação feito, e que foi muito importante antes do 25 de Abril”.

Com uma tiragem inicial de 4500 exemplares, a revista atingiu os 30 mil exemplares nos seus melhores momentos e contava com colaboradores como Maria Teresa Horta, José Viale Moutinho, Jorge Lima Barreto, Jorge Cordeiro, Mário Correia ou até o cantor uruguaio Daniel Viglietti, que em Março de 1982 assinou uma entrevista a Chico Buarque.

No texto de apresentação do volume antológico agora publicado, o jornalista e crítico musical Viriato Teles assegura que ainda hoje os mais importantes criadores afirmados nos anos setenta “são unânimes na evocação do “MC” como um marco fundamental na história da música portuguesa mais empenhada com as transformações sociais”. Viriato recorda-se das “palavras entusiasmadas” ouvidas a Zeca Afonso quando o entrevistou pela primeira vez, precisamente para o “MC”, “e do modo como, tanto ele como outros, guardaram sempre da revista dessa época uma grande lembrança”.

Manuel Freire evoca uma outra faceta da revista, ao recordar os convívios semiclandestinos organizados na Galeria Alvarez em 1970. Concretizaram-se apenas duas edições, mas ficou para sempre a memória daqueles encontros feitos de canções e conversas, numa mistura demasiado explosiva para a época. O cantor faz questão, ainda, de sublinhar a importância de Avelino Tavares na dinamização de tudo quanto girava à volta ou tudo quanto significava a “MC”. Homem de paixões e de uma grande sensibilidade, Tavares propiciava os encontros mais inesperados. Foi graças a ele que Manuel Freire acabou por conhecer Astor Piazzola, de quem tem doze discos autografados.

O intérprete de “Pedra Filosofal”, e, já agora, de muitas outras canções, chama a atenção para um aspecto cuja importância para a época poderá ser difícil de entender na actualidade, com as facilidades proporcionadas pela internet e pela profusão de meios de comunicação. Acontece que a “MC”, além de divulgar textos e entrevistas com cantores de intervenção, “publicava as letras das canções estrangeiras, que muitas vezes ouvíamos, mas sem conhecer ou perceber as palavras. Foi assim que tomei um contacto mais directo com as canções de Bob Dylan ou com as canções francesas”.

Até ter decidido suspender a publicação, Avelino Tavares colocou na rua 67 números e continua convencido que o momento fatal vivido pela “MC” com a visita do inspector Rosa Casaco poderá ter tido origem na circunstância de ter decidido distribuir alguns exemplares durante o festival de jazz de Cascais. Tavares prevê lançar em breve um segundo volume da recolha de entrevistas e alimenta cada vez mais a ideia de ainda este ano fazer a “MC” regressar ao convívio regular com os leitores. “Estou certo que explicando bem o tipo de projecto que tenho em mente, vou conseguir um bom leque de colaboradores com interesses diversificados”. Sempre atento ao despontar de novos valores nas mais diferentes áreas, Tavares vai querer recuperar alguns dos colaboradores históricos, mas não dispensará o “sangue novo” numa revista cujo programa resume em apenas uma frase: “continuará a ser um espaço de liberdade onde se escreve sobre música”.

Valdemar Cruz, Expresso, 11 Março 2006

 

A revista “Mundo da Canção”

“O sufoco provocado pelos censores tinha consequências graves na produção e desenvolvimento da actividade cultural de um país em constante procura de janelas para o exterior. Uma dessas frinchas e referências era proporcionada pela revista “Mundo da Canção”, editada no Porto por Avelino Tavares, produtor musical e organizador do último concerto dado por Zeca Afonso. Lançada em Dezembro de 1969, pretendia ‘lutar contra o cançonetismo apodrecido e ajudar a construir uma canção diferente’. Publica as letras das canções e opta por circular por uma fronteira perigosa, ao ponto de não se submeter ao exame prévio da censura. Até que em 1973, sem qualquer aviso, agentes da PIDE/DGS invadem a Tipografia Aliança e apreendem a edição nº 34, o que provoca graves consequências numa estrutura débil como aquela. Na capa do número retirado de circulação estavam as reproduções das capas de cinco discos: ‘Margem de Certa Maneira’ (José Mário Branco), ‘Eu vou ser como a toupeira’ (José Afonso), ‘Até ao Pescoço’ (José Jorge Letria), ‘Fala do Homem Nascido’ (António Gedeão/José Niza) e ‘Palavras Ditas’ (Mário Viegas). Eram cantores proscritos, ao ponto de Zeca estar praticamente proibido de passar na rádio, como refere o jornalista João Paulo Guerra, realizador do célebre ‘Tempo Zip’ e um dos apresentadores dos noticiários do Rádio Clube Português.”

Valdemar Cruz, Expresso, 10 Agosto 2013

“Num país em crise e parca memória pouca gente saberá o incansável labor de Avelino Tavares na promoção e divulgação da boa música portuguesa e de raiz celta. A ele fica a dever-se o Intercéltico no Porto, concertos sempre lotados no Rivoli, muito antes da investida ruinosa do autarca de costas voltadas para a Cultura. A revista MC-Mundo da Canção foi fundamental na criação de um certo gosto e estética musical, mas sempre marginalizada e raramente lembrada. Possuo os números todos da MC na minha livraria de velharias e, para os jovens da minha geração teve uma importância fundamental na divulgação e promoção da MPP, bem como de autores tão influentes como Dylan, Brassens ou Cohen. Por isso, quando leio um texto a recordar a MC fico feliz. Mais ainda quando é lembrado no Expresso através do jornalista Valdemar Cruz.”

Manuel Vitorino, Jornal de Notícias

Nota importante: Ao longo do tempo, a imprensa dedicou diversas notícias ao “MC”. Mas na elaboração deste “Historial” dos seus 45 anos de vida, fomos aos artigos e escolhemos este texto de Valdemar Cruz porque nos pareceu o mais completo, cobrindo as várias áreas de actividade do MC ao longo destes 45 anos de trabalho e dedicação.

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